domingo, 29 de janeiro de 2012

Ei, Ardoca! - Conceição Evaristo

O próximo texto se chama "Ei, Ardoca" de autoria de Conceição Evaristo. Trata-se de de um homem de nome Ardoca que possui uma ligação pessoal com a estação de trem desde quando estava no útero de sua mãe até a fase adulta.

O conto é belíssimo e muito bem escrito, com certeza. Porém, devo confessar que fiquei confusa com o final da história de Ardoca, pois me surpreendeu bastante. Li uma, duas, três, quatro vezes tentando encontrar algum indício que justificasse um ato extremista no final, mas não percebi nada além de um trabalhador cansado que anda de trem desde que era um feto. A única problemática poderia ser o fato de "aos domingos, dentro de casa, no silêncio da mulher, nas vozes e brincadeiras dos filhos, ele ouvia o grito arranhado do aço espichados sobre o solo". Talvez a autora quisesse insinuar que isso o tivesse levado à loucura a ponto de cometer um suicídio. Ainda que seja, isso não ficou escuro no texto.

Eu raramente (pra não dizer 'nunca') escreveria uma história que terminasse com o suicídio do(a) protagonista negro(a). Não porque faço juízo de valor negativo em relação ao suicídio, muito pelo contrário, gosto do que disse Steve Biko em "Sobre a Morte" (Escrevo o que eu quero): "O modo como se morre, pode ser, por si mesmo, uma coisa que cria consciência política". É lógico que um suicídio num contexto político (o que o sociólogo racista e machista Durkeim chamou de "suicídio altruísta") pode ser uma forma de resistência política, como fez Frei Tito e tantos negros escravizados anônimos fizeram. Mas nessa história, eu não detectei nenhum teor político do ato, tanto porque a opressão racial nem é citada na história, apenas se diz que ele tinha a "pele negra" e nada mais. O "amém" e o "descanso eterno" no final da história produz uma ideia de resolução bastante incômoda, pois o suicídio foi tratado como solução pra algum problema que eu não entendi qual era.

Será mesmo que Ardoca queria ser assassinado?

Às vezes os escritores precisam estar atentos pra isso. Personagens não são "criados", eles se revelam. Assim que os personagens se revelam, eles possuem plena existência e suas vidas precisam ser respeitadas por quem está escrevendo suas histórias. Quando terminei de ler esse texto, pude ouvir o Ardoca gritando: "Não, Conceição, por favor, não me mate! Morrerei de saudade da minha esposa e das minhas crianças!". Acho que a autora não deu muita bola, e com sua caneta imponente passou por cima desse suplicio. O Jornal da Record do dia 27/01 mostrou um dos sobreviventes do desabamento dos prédios no Rio de Janeiro. Alexandro foi um desses sobreviventes. É muito emocionante ve-lo abraçar seus filhos depois de tudo o que passou. Os negros amam suas famílias e tentam enfrentar as dificuldades impostas pelo racismo institucional. Ardoca não pensaria nas "vozes e brincadeiras dos filhos" antes de cometer esse ato extremo de tomar veneno? Definitivamente, não houve suicídio, ele foi brutalmente assassinado por Conceição Evaristo! hahaha
Alexandro aparece a partir de 9min30seg: http://www.youtube.com/watch?v=AYaSsa_8a24&feature=related

Um comentário:

  1. Perfeito o texto. Também gostei do conto, mas ficou essa grande interrogação na minha mente. Eu cheguei a conclusão de que era um homem doente, talvez uma depressão. O cidadão que o rouba no final também me foi estranho. Ele conhecia Ardoca? Sabia que ele estaav morrendo? Enfim, conto bonito e interessante, mas com esse atendo que você(Monife?) deixou bem claro.

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