terça-feira, 17 de janeiro de 2012


Terminei de ler Cadernos Negros 34, lançado em dezembro do ano passado. Foram momentos de muita reflexão, alegria, angústia. Os textos proporcionam as mais variadas emoções, cada um do seu modo e com suas particularidades. Não é à-toa que essa antologia é publicada desde 1978. Já é patrimônio imaterial do Brasil, ainda que não reconhecido por uma elite que diz nem sequer existir Literatura Negra. Porém, quando na História Brasileira a cultura negra foi voluntariamente prestigiada? Todas os aspectos da cultura negra como religiosidade, musicalidade, expressões corporais, linguagem foram renegadas, inferiorizadas e perseguidas, com a literatura não poderia ser diferente.

Os Cadernos Negros é o palco da expressividade literária onde a negritude é o personagem principal. E que continuem assim por anos e anos. A capa ficou simplesmente maravilhosa, parabéns ao Edson Ikê, parabéns a editora Quilombhoje, a Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa, parabéns para todos os escritores e para todas as escritoras participantes. O Cadernos Negros foi dedicado a Abdias Nascimento e José Luanga Barbosa. Linda homenagem.

Compartilharei as minhas impressões, dúvidas, elogios em relação a cada um dos contos publicados nessa coletânea. Já adianto que são apenas comentários informais, sem pretensão alguma de ser uma crítica literária séria, darei minha opinião como LEITORA e nada mais. Então para eu não precisar repetir "na minha singela opinião" várias vezes, digo apenas uma vez e que fique registrado. Quem concordar com as opiniões, ótimo, e quem discordar, melhor ainda! Afinal, a diversidade é positiva, e todos tem assegurado seu direito de liberdade de expressão, contanto que não desrespeite os direitos das outras pessoas.

Então vou começar com o primeiro conto "Adversário Íntimo" de autoria de Ademiro Alves (Sacolinha).

Primeiramente, eu identico duas finalidades do Cadernos Negros: valorização da negritude e crítica social.
O conto tem um propósito muito interessante que é alertar militantes negros para as armadilhas da inveja e das picuinhas. No entanto, não vejo essa coletânea como a mais adequada para fazer esse tipo de "puxão-de-orelha", porque com certeza existem temas mais urgentes, belos e emocionantes para serem tratados. Esse conto funcionaria se Cadernos Negros fosse disseminado apenas entre esses militantes. Sabemos que negros não-militantes leem, brancos leem, universitários leem e até racistas leem essa coletânia. Tanto porque, é livro indicado pro vestibular da UFBA e da UNEB, não exatamente essa edição recente, mas o fato de haver uma edição indicada, impulsionará os vestibulandos a lerem outras edições. A última frase do conto é: "Naquele dia, ele percebeu com quem tinha que lutar". O fato é que essa luta já temos desde que nascemos, todo dia tentamos (ou deveríamos tentar) nos tornar pessoas melhores, eliminar, ou no mínimo atenuar nossos defeitos, isso é a missão de todos os seres humanos do Planeta Terra! Nós, negros e negras além dessa luta contra nós mesmos, temos uma luta anti-racista global pra travar e isso é o que nos diferencia do restante da sociedade. No mais, somos iguais a todo o resto, inclusive na propensão à inveja. Creio que o Cadernos Negros tem que valorizar, enaltecer, alertar a nossa beleza cultural, física, e até mesmo moral, por que não, pois como dizia Sartre, a poesia negra é a mais revolucionária que existe.

É lógico que negros e negras tem defeitos como qualquer ser humano, e que na militância negra esses defeitos humanos podem transparecer, mas não é nada que mereça tanta preocupação assim, pois não temos mais defeitos que os outros, somos apenas humanos normais. Para quem não é envolvido com política, terá uma visão equivocada do Movimento Negro após ler esse conto, sem contar o tom machista dos dois personagens. Aliás, naturalizar o machismo é tão cruel quanto naturalizar o racismo.

Gostaria de ler um conto com outro temática desse mesmo autor no Cadernos Negros 35 que com certeza virá. Um tema que encha nossos olhos de orgulho e nosso coração de alegria, com a certeza de que roupa suja se lava em casa.

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